Redação Revista Pelo Mundo (Brasília)
Fotos: Arquivo Casa do Tamarineiro
Situada dentro da Baia de Todos os Santos, Reconhecido oficialmente como parte da grande Salvador desde 2017, é correto dizer que Bom Jesus dos Passos é uma ilha de paz e tranquilidade. Mas também é um lugar onde acontece muita coisa o ano todo e onde a alegria e entretenimento são garantidos. Afinal, é na Baía da Bahia.
As tradições seculares pontuam a maioria dos eventos de cultura, religiosidade e as festas populares. As dedicadas ao padroeiro Senhor dos Passos são sempre as maiores e melhores, na primeira quinzena de janeiro.
Os preparativos começam quando a festa principal termina, num ciclo de eventos que parece sem fim. As famílias que se revezam na organização dos festejos dedicadas a Nossa Senhora dos Navegantes, São Benedito e Senhor dos Passos se esmeram para que sejam espetáculos que expressam a vocação artística da terra, a alegria, união e a convivência entre moradores e visitantes.
Tudo é feito pela comunidade, já que o poder público se limita ao básico legal. A coleta dominical dos ‘auxílios’, feita de porta-em-porta, por membros das famílias patronas, eleitas organizadoras, já é em si, um acontecimento tradicional.
Logo cedo, no primeiro dia do ano, a igreja é aberta e adultos e crianças lavam o templo por completo. Depois, saem em cortejo, acompanhados de ala de baianas e da Filarmônica União dos Artistas (1914). O percurso conhecido como ‘8’ é repetido várias vezes, até cansar e não sobrar mais ninguém.
A Pandemia inibiu o tamanho da lavagem, nos últimos dois anos, mas não impediu que pelo menos o adro recebesse água e esfregadas das vassouras.
Em tempos normais, devotos transformados em foliões fazem paradas estratégicas para se refrescarem nas águas da Fonte de Senhor dos Passos, na Rua do Fogo.
Em Bomja, tudo é dedicado ao Senhor dos Passos. E não por nada. Ele é lastro do local desde quando as matriarcas Rosa e Margarida Teles chegaram para iniciar a construção do povoado na antiga sesmaria, no início do século XVIII.
A fé, tanta e linda, fez com que as irmãs trocassem o nome parental e assumissem o do santo. Se tornaram Passos e ramificaram outras famílias, até formarem a população bomjesuense, de muitos parentes e poucos sobrenomes. Outros fora da linhagem chegaram, mas até hoje são tratados como pequeré, tipo de marisco que não tem casco entra no dos outros para se abrigar.
Uma festa atrás da outra
Na pequena Bomja tem Réveillon, Carnaval e Semana Santa? Claro que tem, e com tudo de direito, acontecendo em todos locais.
Se é para celebrar, Bomja sabe como fazer. Tem evento aberto, privado, shows, DJs, paredões e tudo o mais, o ano todo, as fins de semana. De segunda a quarta é uma vila pacata e nada se assemelha a efevecencia dos fins de semana. Dá até pra dizer que, no caminhar evolutivo, podemos vislumbrar uma Ibiza tupiniquim, em breve. Acha exagero? Garanto que não é.
Calendário
Voltando ao desenrolar da agenda de acontecimentos regulares, contamos como base o dia dos Santos Reis Magos (06 de Janeiro). O sábado da véspera é o dia do Acompanhamento Marítima de Nossa Senhora dos Navegantes, iniciado em 1902, em promessa feita por pescadores que sobreviveram a um naufrágio e prometeram levar a santa para passear, todos os anos, pelas águas da Baía de Todos os Santos.
Maior procissão marítima do país, o ‘Acompanhamento’ sai da Ilha de Bom Jesus dos Passos, vai para Missa na Igreja da Conceição da Praia (Comércio) e volta, passando pelas ilhas de Maré, Frades e Madre de Deus, onde as pessoas soltam fogos e os sinos das igrejas tocam em saudação.
A imagem segue em barco ornamentado sobre as águas da BTS. Atrás, centenas de embarcações de todo tipo, tamanho e qualidade a seguem, pode-se dizer, com menos religiosidade. Depois da missa e bençãos, quem segue no Acompanhamento já se sente liberado aos prazeres da carne.
Chegando na Rua do Fogo em Bomja, a imagem da Santa Mãe segue em procissão até a igreja, para se encontrar com a do o Filho. Do lado de fora, como é de costume na Bahia, os festejos pagãos seguem até a madrugada.
O Padroeiro
A festa de Senhor dos Passo é no domingo que precede ou coincide com o dia dos Reis Magos (06 de janeiro) e se desenrola da seguinte maneira: Procissão e Missa do Senhor dos Passos, após o encerramento do novenário. É o dia em que todas as imagens sacras, guardadas no templo católico, saem acompanhando o andor com a imagem em tamanho natural do padroeiro, esculpida no século XVIII pelo santeiro Félix Pereira, um dos expoentes do barroco brasileiro na Bahia.
O encerramento é na terça-feira, com a Subida da Imagem do Senhor dos Passos, quando os devotos começam a disputar espaço dentro do templo, logo cedo, para assistir a missa, celebrada há mais de 300 anos.
O clima envolve fé e beleza, num momento mágico, com cânticos em latim e ritual magnífico de despedida das imagens de Nossa Senhora dos Navegantes e Senhor dos Passos.
De frente uma para a outra, elas se afastam. Enquanto a mãe volta para seu posto, na entrada do templo, a do filho sobe para o nicho, no altar principal, e lá permanece, até o próximo ano.
Tem mais
Janeiro acabou mas as festas não. Tem pré e Carnaval, Semana Santa, alguns feriados ou finais de semana comuns, e, se não há programação oficial, o bomjesuense inventa.
Chegado o meio do ano, as festas juninas pipocam em todo o país. Em Bomja elas começam a celebrar o santo casamenteiro com trezena e festa a Santo Antônio, arrasta todo mundo para forrós de São João e agradece ao São Pedro, padroeiro das viúvas e pescadores com inúmeras fogueiras nas ruas.
São Pedro e Festa do Pescador, em 29 de junho, os pescadores fazem louvor ao santo com missa, procissão marítima e terrestre e festa na Rua do Fogo. É uma das maiores manifestações da ilha e costuma ter atividades voltadas para a comunidade pesqueira, com muita comida feita com mariscos doados.
Antes de julho chegar, a Santa Mazorra leva grupos de jovens e crianças de porta em porta, cantando a música da “Santa Mazorra” e gritando: “Olha a Mazorra”. É a senha do pedido de alimentos e bebidas. Serve qualquer coisa. O que não pode é negar o auxílio, que ao final vai para a panela e se transforma no que é chamado de ‘cozinhado’, uma refeição feita comunitariamente e servido para quem estiver ou chegar.
Pequena, mas forte
Na época das invasões marítimas e lutas pela independência do Brasil Colônia de Portugal, fortificações foram construídas por toda a Baía de Todos os Santos. Onde não existiam fortalezas, a geografia favorecia a proteção. Bomja, pequena e pouco habitada resistia, amedrontando os invasores com sua genialidade.
À noite, pessoas se revezavam com tochas de palha de dendê acesas, circundando a borda da ilha. De longe, os navios inimigos e tropas portuguesas pensavam que no local existiam muitos canhões e por isso, nunca se atreveram atacar.
Estranhos de outras terras chegavam um ou outro como náufragos, que nunca mais voltavam para terra natal. Quem vem, gosta tanto não quer mais sair. Os estrangeiros de Bomja fizeram descendentes.
Da estratégia de defesa com as palhas do dendê nasceu a Festa do Dendê, desfile noturno, explosão de plasticidade e estética, repetida nos dias 1° de Julho, com produção do agitador cultural Nem de Mirinha, fiel guardião das tradições locais.
Moradores vestidos com roupas que remetem aos orixás das religiões afro-brasileiras, seguram fachos de fogo, dançando e cantando, numa alusão à luta pela independência da Bahia (1823) e guerra contra invasores, que uniram brancos, negros e índios – base da sociedade brasileira.
Baile de Santa Cecília